5 de novembro de 2011

Memória seletiva ou "meu cérebro é emocionante"



     A matemática ensina como pensar de forma genérica. Como ciência, ela aparece internamente em suas irmãs, como física e química, por gerarem modelos do que se pode esperar. Os experimentos dos quais a matemática prevê mais de um comportamento são os mais concorridos. Todos os outros acabam sendo coerentes com o que se calculou. Pensamento lógico-matemático é o que faz um cientista saber que determinado elemento de número atômico X terá as mesmas características dos elementos da sua família, mesmo este (que foi provavelmente responsável pelos poderes das Meninas Super Poderosas) não exista ainda. Através de modelos podemos teorizar como funcionam diversas estruturas, inclusive o corpo humano.

     Quando eu era mais jovem (não posso dizer pequeno, pois não lembro de quando o fui), assisti na televisão um videoclipe que era absurdo. Se tratava de homens subindo escadas para os céus, aviões estrelas atravessando o mundo, uma estátua da liberdade vermelha, exércitos se formando para uma invasão aparentemente pacífica e - a parte mais assustadora- chapéus em forma de vasilhas. Essa ideia era tão nítida que não poderia ser ilusão. Como passei diversos anos sem vê-lo novamente, e depois de ler sobre memória seletiva, tive a certeza que aquilo era uma mistura de coisas que me atraíam (vermelho, mapas, viagens, coisas sem sentido aparente e por aí vai), condensadas na última desfragmentação do meu cérebro.

     A memória pode ser comparada com aquele livro ponto que professores assinam para comprovar que estiveram durante aquele período na escola, dados de entrada e saída. Só porque podemos, não quer dizer que devemos. Afinal se fizerem esta comparação estarão cometendo o maior dos erros possíveis sobre o assunto. Memória é administrada no cérebro e supervisionada pelo nosso processador central que é absolutamente emocional. Muitos pedagogos já vociferam há anos sobre a Memória Emocional, contrária aos métodos mnemônicos. Este nosso livro ponto teria apenas as assinaturas dos professores que são considerados, pelo próprio, mais agradáveis. E os outros dividiriam o espaço em uma nuvem sem sentido de informações nas últimas páginas.  Um experimento fácil para entender como isso funciona é lembrar, sem googlar,  de cinco imortais da Academia Brasileira de Letras. Provavelmente, se sois uma pessoa politicamente engajada, vais lembrar imediatamente de José Sarney. Mais um? Enquanto pensamos nestes, quando se passa para a segunda fase do experimento. Muitos choram apenas ao vasculhar suas mentes. A ideia agora é lembrar de cinco pessoas que nos magoaram, nos marcaram ou até que amamos muito e eventualmente não podemos mais falar com. Nessa parte fica absolutamente mais fácil pois o cérebro indexa arquivos de forma a priorizar como nos sentimos do que a informação em si.

     Com o advento da internet, eu cheguei a procurar por este videoclipe, pois parte de mim sabia que uma estátua da liberdade vermelha não me era de todo agradável. Afinal, seria uma espécie de ucronia onde o comunismo havia vencido e até então não havia lido nada sobre. Procurei muito e por um bom tempo não achei. Estranhamente associei o som da música desta minha lembrança ao que o cantor italiano Eros Ramazzotti consegue produzir. Obviamente a música não era dele. Também associei o vídeo ao Raiden, de Mortal Kombat, mas isso não faz sentido.

     Um trauma pode ser resposta ao processo débil de armazenamento de uma memória que gere conflito com outras estruturas internas do aparelho psíquico. Um acidente, por exemplo, vem contra a todos os projetos e imagens de estima pessoal que podemos ter construído durante muitos anos. Um abuso pode ser praticado por alguém que depositamos nosso afeto por muito tempo. Ou seja, se tiver algum problema com determinada pessoa ou situação, é saudável resolver de imediato. O perigo de nossa memória é de eventualmente piorar certas situações conforme o que sentimos durante a geração do impacto traumático. Apesar de não ser um fiel seguidor de entidade sobrenatural, acredito que a figura do perdão nada mais é do que o sujeito lidando com o seu trauma ou com a iniquidade de outrem.

     O mais interessante disso tudo?

       

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