3 de novembro de 2011

Figuração ou "o dia que roubaram meu tablet"

 

     Li outro dia sobre a possibilidade da sociedade ser repleta de figurantes. O que pode ser facilmente constatado pois, se iniciar algum assunto que não tenha ligação direta com prazer (ou a possibilidade de) pode ser prontamente deixado falando sozinho. Não existe mais coisas nestas criaturas que possamos confundir com o mais relapso dos cientistas. Ou filósofos. Será que realmente podemos classificar as pessoas conforme a altura em que suas atividades mais comuns se encontram em uma espécie de pirâmide de Maslow? Esta base de pirâmide seria incomensuravelmente maior do que o desejado.


Difícil argumentar contra.
     Considero o roubo como uma das atitudes morais mais violentas. Uma agressão física pode ser uma discordância mal resolvida mas um roubo é uma rachadura no caráter. Meu tablet foi roubado por uma pessoa que não se espera este tipo de comportamento. O problema é esse, esperamos coisas das pessoas, isso mantém coesa nossa sociedade. Esperamos que médicos sejam atenciosos, professores estudiosos e policiais justos. Quando nos deparamos com médicos ignorantes, professores despreparados e policiais corruptos, percebemos que estamos em um mundo errado. Mas onde estaria o certo?

     Tecnologia encanta e muito. É difícil encontrar alguém na casa dos vinte que não se maravilhe com a mágica das telas coloridas. Um universo de possibilidades que se abre ao passar dos dedos sobre o aparelho brilhante. E o som. Ainda me pergunto o motivo pelo qual aparelhos telefônicos estão com aparatos sonoros cada vez mais poderosos. Essa imersão ao mundo virtual tem se dado de forma mais violenta e (de forma passiva e permissiva nossa) invasiva. É o encanto de um mundo virtualmente perfeito indo contra a realidade das doenças sociais nascidas dessa abertura. O roubo de um equipamento tecnológico pode ser considerada uma tentativa mal estruturada de fugir de uma realidade castigada pela pobreza e sem perspectiva?


     Quando elas agem fora destes parâmetros que nos é razoável, é que mantemos nossa atenção. Quando questionamos as origens das novelas, percebemos que elas nascem da literatura popular. Hoje vivemos um realismo de Helenas alienadas. Eventualmente algo sai do tom e chama nossa atenção. As pessoas superficiais se doem pelas ofensas dos outros. Quando invadem a cobertura da Rede Globo é considerado uma ameaça direta ao nosso lar. Afinal foi lá que presenciamos essa agressão. E deste cômodo local, templo ao não-pensar, julgamos e condenamos toda e qualquer atitude que nos desagrade, seja comportamento de um personagem de novela ou da vida real. Vivemos em uma ditadura do ego.

Sad gingerbread
is sad.
     Apesar do perfil do sujeito que me subtraiu um aparelho ser o mais estereotipado possível, eu vivo na esperança de que todos nós podemos evoluir. Lembro de uma professora minha que dizia que não era por ser mulher ou negra que subiu ao mais elevado posto de sua profissão. Pelo contrário, estes atributos eram empecilhos. Ela crescer não significava maior igualdade racial ou de gênero. Era ela quem lutava. Essa é a diferença dos comportamentos estereotipados. Se és pobre, haja de forma que qualquer um que olhe de cima justifique as bolsas auxílio, a precariedade dos serviços de educação, saúde e saneamento e até a violência associada.

     A internet é uma grande rede de comunicação. Apenas nos fez ver como, se fôssemos apenas um único ser, somos idiotas. E temos uma atração doentia a gatos. Talvez por lembrarem, inconscientemente, que somos seres que experimentam. Que grande parte do que nos faz sociedade trocaríamos facilmente por um momento daquela liberdade.

     Vivemos um apocalipse zumbi. Esteriótipo sustenta minha atuação grandiosa como figurante onde eu decido, como em The Sims, quais características defenderei. Acefalamente. Tomarei atitudes sem pensar que as pessoas podem se magoar, afinal elas não são reais. São todas figurantes nesse mundo onde eu sou Truman e este é meu show. Eu tenho esperança de que no futuro aprendamos que não é tão bom ser big brother. Que o que nos faz especial é o que temos por dentro e não com quem somos parecidos.

     Eu perdoo a ação que me ocorreu sem pestanejar. E agradeço ao Cardoso do Contraditorium pelos quotes que inspiraram parte deste texto.

Apesar dos contras, é o que me faz permanecer.

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