10 de novembro de 2011

Associação livre ou "o dia que fui avô"


     Freud não estava de todo errado. Inclusive, do pouco que li sobre psicanálise e dele, discordamos pouco. Mesmo achando Jung mais simpático. Em pensar que na virada do século XIX, algumas universidades respeitadas mantinham no currículo assuntos hoje retidos pelas páginas de livros infanto-juvenis. Em meio uma salada de frutas ideológicas, nasce um braço da psicologia moderna que tenta explicar como traduzimos os estímulos externos em correntes elétricas transmitidas por pequenos condutores. Ainda sabemos pouco sobre o cérebro, mas observações cada vez mais precisas e com instrumentos tecnológicos inimagináveis na época do pai da psicanálise, nos auxiliam a compreender cada vez mais como essa massa que assemelha-se a um chiclete mastigado, funciona. O foco que percebe-se é o "como" as coisas se encaixam em nossa mente. Um dos pilares práticos dessa perspectiva, é uma das coisas que mais me encanta.

Não é um charuto.
     Em determinado momento de minha vida resolvi ser professor. Desde muito cedo me interessei por didática e ciência. Um dos livros mais interessantes que li até hoje foi um de didática do ensino de física. Neste estavam duas paixões minhas: a ciência dos observadores do mundo e a arte do ensino. É interessante saber como as coisas funcionam mas tão importante quanto isso é poder perpetuar nossas descobertas. Lembro que ainda na sexta série combinei com um colega de classe que iríamos cursar a mesma faculdade, na época seria história. Ele iria para o Egito escavar e eu faria uma escola apenas das descobertas dessa escavação. Nunca esquecerei, afinal foi a primeira vez que outra pessoa fora da família havia considerado a possibilidade de minha profissão futura ser ligada ao magistério. O primeiro a associar a imagem que tinha de minha pessoa a de um ser capaz de ensinar. Se não me engano, claro. 

Cerâmica interplanetária.
     E o que acredito hoje é na livre associação das coisas. Assim a mente funciona. Apesar de parecer estranho, creio que qualquer um que possa ler este texto talvez perceba que temos a mesma fé. É mais simples que um bule de chá em órbita do sol, eu garanto. Simplesmente tudo tem um significado. Simples mesmo. Chega a ser quase bobo. Pense um pouco. O que está procurando ao ler este texto? Dentre várias alternativas há aquelas pessoais (entender como eu penso ou minha opinião) e as mais neutras (aprender algo ou procurar falhas lógicas ou retóricas). Todas as coisas mantém uma característica que busca objetivar a existência da mesma. A forma com que um aparelho eletrônico é desenhado de forma que agrade um determinado grupo de pessoas. A mente do designer busca uma conexão com a mente dos usuários. Isto é associação.


     Quando temos medo, buscamos prontamente em nossas memórias, momentos em que não tivemos medo. Pessoas as quais não permitiriam que sofrêssemos algum mal. Se não existe a possibilidade de um ser humano impedir este processo interno, nos resta seres que possam estar dentro de nós, ocupando o mesmo espaço. Para isso, precisamos além de desafiar leis da física, sucumbir e declarar que a capacidade corporal e psicológica pessoal é insuficiente para proteger a si. Nisso nasce deus. Nietzsche diz como ele morre e eu digo como nasce. Associamos várias características, como etiquetas, em todas as nossas imagens, os arquétipos que tentamos contornar. Quando encontramos dificuldades um tanto mais humanas, mas fora de nossas capacidades, apelamos para aqueles que confiamos. Transferimos nossas responsabilidades e clamamos por ajuda. Em uma sala de aula isso é comum.


"Professor! Acho que não entendi aqui..."
     Tenho um aluno que é disputado entre o pai e a mãe. Nenhum dos dois querem a criança, mas os dois concordam em não deixar com o outro. A situação é tão constrangedora que a guarda deste indivíduo está com uma das avós. Esta avó vive a me procurar, pois é uma daquelas raras pessoas que admiram a rainha das ciências. Sempre quer uma explicação sobre um problema proposto ao neto. Eventualmente me pego sendo assaltado em plena luz do sol, onde esta me subtrai uma ou outra informação sobre alguma observação das atividades. E eu acho isso impressionante. Nunca acertaram tanto com este menino do que quando deixaram-o com a avó. Em um mundo onde as crianças estão cada vez mais abandonados pelos pais, é difícil achar alguém que se importe com o que seu tutelado aprende ou não.


Oh, vô... Quero dizer... Professor!

     Foi o que eu ouvi outro dia na sala de aula. Sinto me lisonjeado. Esta criança mantém a imagem do professor próxima daquela outra que a protege, que a acolheu da fúria dos pais, que provavelmente a ama quase incondicionalmente. A minha imagem. É uma grande responsabilidade.


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