9 de novembro de 2011

Saudade ou "quando lembra de mim?"


     Não fico lembrando do passado de propósito. Eventualmente ele surge perante aos meus olhos como uma pessoa faz quando vocês dois estão se dirigindo ao caixa do mercado e concorrem educadamente pelo primeiro lugar. Eu julgo que a outra pessoa precisa ir na frente, pois eu geralmente vou em um lugar desses quando não tenho que fazer nada de imediato. Não sei organizar muito bem meu tempo ainda, mas sou jovem, posso aprender um dia. Enquanto penso nesse tipo de coisa, perco a competição de quem chegava na frente para ser atendido. Enquanto espero, observo atentamente quem me superou. Quem foi na frente. Assim acontece com grandes eventos do passado, que correm na minha frente para se livrar logo das bagagens que carrega. E parte dessa conta sou eu quem paga.


Empatia é reconhecer essa expressão.
     Nosso cérebro indexa memórias pelo peso emocional que associamos aos fatos. Dificilmente veremos um filme de temática mais triste e não lembraremos de situações semelhantes que aconteceram conosco. Naturalmente já nos identificamos com alguns personagens e parte do que eles passam, sentimos juntos. Nossa capacidade de trocar de lugar com os indivíduos retratados em qualquer mídia faz com que estas experiências sejam muito mais profundas. Acabamos por sofrer a guerra quando vemos filmes deste tema, amamos e sentimos tudo o que os casais apaixonados do cinema sentem e acabamos por assumir algum lado quando o assunto são dilemas éticos ou morais. Uma história é bem contada quando é fácil esta transferência. Empatia.


     Quando revisitamos algum fragmento de memória é que nos damos conta que eventualmente algum elemento não se encontra. O desespero seguido da sensação de que nada pode ser feito deprime tudo que sentimos neste momento. Mesmo quando temos a oportunidade de nos despedir, quando todos os nossos problemas se resolvem, quando envolvemos emoções não se trata de objetos. Pode ser que um amigo aparentemente sinta falta sua, mas não necessariamente é a sua pessoa. É o que sentíamos na época. Não é saudável tentar reproduzir, pois o quão felizes somos define o sucesso desse tipo de experiência. Se somos realmente felizes hoje, este saudosismo é infeliz. Precisamos é entender como os outros se comportam e realmente reunir os amigos antigos. Mas nunca esperar que estejam da mesma forma, pois não estarão. Nem eu e você somos as mesmas pessoas desde quando não nos encontramos mais.


     Os sentimentos associados dão valor aos personagens de nossa vida. Inclusive os inanimados. Por que se chora ao pensar em um cão falecido? A tristeza vem por essa série de emoções que sentimos e compartilhamos com este indivíduo que não poderão ser mais experimentadas. Pode-se ter outros cães, mas nunca mais aquele em específico. Gosto de pensar que o trabalho torna as pessoas substituíveis mas seus corações são únicos. Posso retribuir tudo que recebi de meus pais aos pais de quem quiser. Apesar disso não fazer diferença aos meus progenitores, pode muito bem proporcionar experiências com as quais compreenderei melhor minha ignorância. E isso deve tornar-me feliz. Conhecerei um pouco mais de mim e posso um dia me tornar uma pessoa melhor.


     Saudade é inevitável. Quantas vezes nos pegamos pensando que se determinada pessoa estivesse próxima, teríamos pelo menos um ombro sincero para chorar? Obviamente estamos todos com uma foice sobre o pescoço o tempo todo mas até quando poderemos nos ver? Já pensou se essa é nossa última noite? Se existe purgatório, que é um terceiro caminho da tradição católica para desmontar o dualismo céu/inferno, só irá para lá pessoas que deixam assuntos inacabados. Que deixam de declarar o quanto sentem coisas mais próximas possível do que outros chamam de amor, ou apenas deixam de dizer que sentirão falta se por um acaso se apartarem. É um lugar onde se esquenta banco e se espera até que o sujeito da nossa não-ação venha. Uma pena que não existe esse tipo de lugar. E é bom saber pois nos obriga a agir hoje.


     Muitos se atarefam o máximo, tomam seus remédios na maior dosagem ou dormem para evitar pensar na possibilidade de serem um pouco mais humanos. O tempo passa e todos nossos elos se partem. Quando vê já é sexta-feira da vida. Se tornou comum não sentir. Agora é moda o coração de metal. Quando fala-se em coração sempre lembro do homem de lata que queria um mas agia como se já o tivesse. Aja!


     Saudade não é ruim. Saudade é saber que há coisas importantes na nossa vida. Ou houveram. E por elas não desistimos. O perigoso é quando ela torna nosso corpo uma estátua que apenas espera. Isso, apesar da semelhança de palavras e conceitos, não é esperança. Quando lembram de mim, o que sentem?


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