16 de novembro de 2011

Todos temos Tourette?


      Lembro que em determinado momento de minha vida acadêmica, deparei-me com um livro especial, um conjunto de leis da língua portuguesa. Chamado de "gramática", este codex abriga a construção e evolução de nossa língua-mãe. Dentre todas as características lá expostas, a que capturou minha atenção por muito mais tempo foi a morfologia, fragmento estuda a formação das palavras. Assim como o solo, algumas palavras nada mais são do que variações do que as suas antecessoras  outras, totalmente novas, foram formadas por algumas já existentes. Dentre essas, encontrei-me absorto com os radicais. Procurava intensamente por tabelas com radicais em todos os livros existentes na biblioteca escolar. Gostaria de ressaltar que isso tudo aconteceu em uma época antes da minha inclusão digital e antes do Google.

     Seria um equívoco acreditar que o nível da argumentação hoje em dia tenha sido rebaixado perante ao que se fazia no passado. Precisamos lembrar que muitas das pessoas que hoje estão sendo ouvidas, dificilmente teriam voz no passado. As escolas hoje estão cheias de pessoas que se tivessem nascido quarenta anos antes, não teriam a mesma oportunidade. O ponto que gostaria de ressaltar é que se hoje temos uma demanda maior, não podemos deixar a qualidade pagar o preço. Devemos ensinar e exigir dos outros enquanto tentam provar alguma coisa, convencer-nos de algo, que sejam lógicos e não apelem para palavras de baixo calão. Não são as gírias que deformam o argumento, é o palavreado chulo que o desmerece. Eu não permaneço em um debate onde um crê que apenas por ter dito alguma palavra que refere-se ao órgão sexual ou aos dejetos, como se fosse parte de seu argumento. Uma coisa é dar ênfase ao que se fala. Outra é não ter o que falar e "enfiar um palavrão".


     Brincava com um outro menino, um pouco mais velho que eu, de inventar histórias. E as encenava com bonecos de ação. Enquanto as brincadeiras dos outros colegas de escola eram de temática bélica e/ou esportiva, a minha era simular situações e prever reações. Nisso os radicais serviam de uma forma espetacular, afinal grande parte dos meus personagens carregavam em seus nomes uma palavra que resumia suas ações. Tanatus, Hipnos, Marte, Minerva, enfim, muitos destes nomes serviam como bandeiras indicando o comportamento e eventual relacionamento entre estes. Assim me apaixonei pelas figuras mitológicas e suas influências etimológicas. Isso mesmo, pegamos emprestado certas idéias que foram tornadas em palavras para enriquecer nosso argumento. Para engrossar nossa tese. Para sustentar nossa fala. E existem muitas delas e surgem a todo instante de todas as partes.

     Ainda na escola descobri que raízes gregas e romanas formam grande parte das palavras de cunho científico. E em um momento, da mesma forma que Gauss sentiu-se quando deduziu a soma de uma sequência aritmética finita, deduzi que o ato de falar palavrões, por serem em sua maioria relacionados aos órgãos sexuais, cópula ou excrementos, deveria ser coprolalia. Copro de excrementos e lalia de fala. Senti-me um grande linguista, que havia descoberto as Américas. Até que deparei-me com o termo em um livro de nível superior ao qual eu era acostumado. É óbvio, livros do ensino fundamental tratam os alunos como se fossem intelectualmente inferiores. Apesar de agirem como, não são. Logo, não havia estes exemplos naqueles livros. Mas não fiquei infeliz, pelo contrário. Entendi como a coisa funciona de forma a poder concordar com a morfologia.

     Depois de um debate acalorado (todo e qualquer debate no ensino fundamental parece carregar esta característica), percebi que os dois lados, ao perderem grande parte de seus argumentos, começavam a ofender os adversários. Eventualmente subiam ao púlpito improvisado apenas para expor toda a educação que não tinham. Caímos ao nível mais baixo da argumentação, o argumentum ad hominem, onde passamos a questionar o sujeito no lugar do que ele fala. Nisso, surgem questionamentos desde as orientações sexuais dos envolvidos, a capacidade dos mesmos de executar certas tarefas que antepassados faziam sem grandes preocupações, questionam as profissões e capacidades de reprodução dos progenitores do adversário. Permeando estas injúrias e difamações, muita coprolalia pesada. Até o fato de associarem esta prática a um eventual vocabulário "sujo" demonstra a natureza da prática.

     Palavrões se tornaram interjeições. E para muitos, argumentos. É considerado agradável presenciar crianças pequenas falando de coisas que nem precisavam ter conhecimento sobre. Não sou moralista, apenas penso que não gostaria que um filho meu fosse confundido com uma pessoa diagnosticada com a Síndrome de Tourette sem necessidade. Essa síndrome é caracterizada pelos "tics" nervosos e eventual coprolalia. Por outro lado, podemos estar criando um mundo onde estes se sintam incluídos de fato. Um mundo sem argumentos, apenas isso.

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