13 de novembro de 2011

Conto: Amigo imaginário.


     Não era difícil entender que queriam falar comigo. Difícil era entender o motivo pelo qual não entendiam minhas respostas. Você sabe, não? Falei de você para eles, mas não acreditaram. Por que não acreditam em você? Disseram que era imaginário mas minha mente não é tão boa assim. É mais fácil eu ser o imaginário. E não sou? O que prova que sou real pode ser muito bem usado contra mim. Eles não param quando quero. Estou farto de comer e dormir. Mas não querem me ouvir. Imaginário? Você é muito mais real do que eu.


     Qual o problema em não querer sair? Tudo que preciso tenho aqui dentro: eu, você, comida, e você. Querem que eu interaja com outras crianças, mas nem sei o que isso significa. Se era para brincar com eles, não consigo. Eles não me entendem. Prefiro brincar com você. Estamos em uma sintonia que apenas nós dois entendemos. Quando sou o pirata, você se torna o mar, os peixes, o mundo... Para quê precisaria de outras crianças? Elas nem me entendem. Nem querem brincar comigo. Não reclamo, também não quero brincar com elas. Apenas contigo.


     Doutor Alcides, como chamou meu irmão, pediu que eu desenhasse em um quadro. Não sei o que ele queria. Apenas ouvi o que você disse, e fiz o rio daquela história que ouvimos. Não sei o motivo que levou o doutor a ficar bravo. Não pode ter sido o fato que aquilo era um rio vermelho. Afinal rios vermelhos, não existem nesse mundo, apenas no nosso. Ah, como eu queria ser o imaginário. Como eu tenho um pensamento limitado... Deveria ter pintado de verde.


     Começaram a me dar umas balas de gosto estranho. Dividi todas elas contigo, mas tu é mais esperto do que eu, não as comeu. Não sabe como elas fazem mal. Bem lembrado, vou tirá-las do seu pote secreto, não quero que as coma. Não fique triste comigo. Eu juro que tentei não deixar tudo aquilo acontecer. Não gosto de chá, mas tomo todas as vezes que me dão. Sinto que é a parte mais próxima de me entenderem que todos nesta casa chegam. Não quero a atenção deles, mas preciso. Não sei mais quem sou. Você é meu único amigo.


     Querido, eu gostaria de poder te dizer pessoalmente, mas desde quando os doces mudaram de nome, quando me obrigaram a ir em um lugar barulhento e cheio de gente, quando exigiam que eu ficasse horas e mais horas escrevendo coisas sem sentido, desejei que tivesse sido eu quem sumiu. Desejei profundamente que eu fosse o imaginário. E desde então tenho sido cada vez mais infeliz. Principalmente agora, que todos que eu amo, me abandonaram. Primeiro você e depois meu tio. Ah, desculpe, deixe eu esclarecer. Eu lhe abandonei. Juro que não tomo mais aqueles remédios. Só se você prometer aparecer. Naquele lugar ninguém me entende.


     Aquela vez que você sumiu, logo depois de nosso experimento com a tomada e aqueles fios que achamos no porão, foram os dias mais tristes da minha vida. Pensando bem, estamos quites, afinal cada um deixou o outro pelo menos uma vez. Pode voltar já. Eu fiquei realmente triste quando vi todos chorando ao pé da cama no hospital. Todos achavam que eu havia tentado deixar minha própria vida... Deixar ela para quem? Será que alguém estava pensando em tomar a minha e deixar a sua própria vaga? Eu nunca. Se tem algo a ver com os fios que queimaram, eu não sei como, mas posso encontrar outros para repor.


     Dizem que meu caso é complexo. Complexo tudo é na vida. Pelo menos na minha tudo tem sido. Não consigo me relacionar bem com meus irmãos, dizem que tenho os dois pés fora da realidade. Nem eu sei o que isso significa, apenas queria fazer parte do que eles são. Tentaram me incluir várias vezes, talvez o erro seja meu, de não querer. Parte de mim quer, outra não. Tentam traduzir o que eu digo uns para os outros, eu os ouço durante a noite conversando sobre o que fazer comigo. Eles têm medos absurdos. Eles temem o fato de que eu tenha medo do mundo real. Eu não tenho medo, este mundo me é muito bem conhecido. Só que não faço parte dele.


     Ah, esqueça. Acabei de ver que você esteve o tempo todo dormindo embaixo da escada. Esqueça tudo que eu disse. Vamos brincar de esquimós, no círculo polar? Eu pego o cobertor para fazer o iglu. Mas de tudo isso, quero que saiba que nunca vou me separar de você.


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