6 de novembro de 2011

Conto: Eu sou culpado.


"Senhores da sociedade organizada, gostaria de pedir silêncio ao público presente. Não estamos ouvindo o que o réu está a dizer! Comece outra vez, senhor, por favor."


"Sim, eu dizia que fui realmente o culpado."


"Mas o senhor não estava na cena do crime, não foi encontrado digitais suas na arma..."


"O meritíssimo não entende. Apesar de achar perigoso dizer isso perante ao povo... Espero que não diminua o que pensam de nossa suprema líder..."


"Atenha-se aos fatos, por favor. Já é desconsertante o fato que você propôs uma ação contra você mesmo. Não queira arrastar outras pessoas a sua declaração."


"Sim, meritíssimo. Mas ela faz parte disso. Eu era cúmplice dela em todas as ações. Afinal ela sempre perguntava o que eu achava antes de tomar qualquer decisão. Fazíamos jogos de palavras, eu cantava para ela todos os dias. Mas nunca passou disso. Sempre respeitei seu esposo, pois era a ele quem ela devia amar. Afinal foi com ele que se casou. Mas ela era triste por algum motivo. Provavelmente sei o motivo, sempre soube. Sua autoestima era inexistente. Talvez cedeu aos  mandamento familiar de casar-se. E constituir família."


Neste momento o povo manifesta-se. Afinal não poderiam conceber que sua amada governante era um poço de tristeza.


"Silêncio no tribunal... Senhor réu, seja mais específico ao que dizia confessar."


"Senhor meritíssimo, é tudo a mais pura verdade. O problema, ao qual confesso que sou culpado, não réu, foi da minha responsabilidade o crime... Bem, como dizia, o finado soberano havia deixado uma herança preciosa. Uma filha fora do casamento. Como a minha senhora não se importava com a infidelidade do seu esposo, não houve conflito algum enquanto a menina não crescia. Talvez não se importasse por ser estéril..." 


O povo silenciou. Por um momento parecia um velório.


"... meritíssimo, o Senhor nos céus é minha testemunha, nunca me deixei tocar na rainha. Mas, talvez nem fosse mais do que transferência de sentimentos, me apaixonei pela princesa. Eu a amava. Sua pele branca, seus cabelos negros... E por um descuido, um deslise de minha parte... Fui pego distraído pela minha senhora... Foi quando ela perguntou, como fazia todas as manhãs, eu fui mais sincero do que todos os meus dias. E minha resposta desgraçada... Como sofro até hoje. Desde que apareceu aquele coração imenso imerso no vermelho não consegui mais dormir... Eu a matei."


"Senhor réu, o que liga o senhor (e ela) ao crime? Não pode ter cometido o crime se não havia indícios de sua presença na cena do crime."


"As palavras, meritíssimo, são afiadas como espadas. São armas que causam as feridas mais difíceis de curar. As feridas na alma. Foram minhas palavras."


"Mas, senhor, como suas palavras puderam ser responsáveis pelas atrocidades cometidas. Afinal, o que aconteceu? Qual a ligação sua e da Rainha no crime?"


"Eu induzi a nossa soberana ao erro, através das minhas palavras. Ela quem executou um plano maligno junto com um caçador. O melhor caçador. Este vive na floresta, nunca o pegarão. Poupem nossa rainha, a culpa foi minha, das minhas palavras..."


"Poderia dizer quais palavras quase mágicas que cometeram o crime?"


O povo se deixou rir por um breve instante, apesar do nível das declarações. 


"Você é bela, rainha, isso é verdade, mas Branca de Neve possui mais beleza."


O povo se tornou uníssono ao pedir que quebrassem o espelho e ordenaram que a rainha fosse enforcada. Quase não puderam os deter. Assim nasceu um sistema de governo em que todo o povo tomava parte nas decisões do estado. Em seguida começaram a transferir esta responsabilidade para alguns em particular. No fim, quem governava, voltou a consultar fragmentos do espelho para tratar seus problemas pessoais.


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