8 de dezembro de 2011

Vocação ou escravidão?



     Você já deve ter ouvido algo sobre vocação. Independente da orientação filosófica-religiosa, geralmente se trata de uma espécie de "chamado" que o indivíduo "tem" para realizar determinada tarefa. Se dá muita ênfase quando esta tarefa tem ligação direta com os interesses da instituição que ensina esse tipo de coisa. Como uma igreja, quando anuncia o tema, procura despertar jovens para que herdem os trabalhos da mesma.


     Vocação tem uma origem etimológica semelhante ao atual "chamado". Apesar de nem sempre ter alguma ligação, um poço e uma menina que atravessa o televisor, um chamado é basicamente alguém ordenando outrem para determinada posição ou atitude. Como Moisés chamou os hebreus ao deserto, vocação tem essa característica da atitude. É diferente de algum dom que o indivíduo carregue, este está mais para uma disposição maior a determinada área. Um chamado é uma espécie de convite para, muitas vezes, utilizar-se dos dons que se tem. Uma pessoa comunicativa pode se tornar um bom professor ou político, mas pode ter uma vocação para a assistência jurídica. Nem todo dom é ligado de imediato ao chamado.


     E você lê isso e pensa que algo neste texto está quase religioso. E realmente é de propósito. Afinal, o que gostaria de também tratar é o sujeito que executa o chamado. Quem o obedece já sabemos, somos nós (ou os outros). Como disse, dependendo da orientação religiosa, pode ser uma divindade que faz este chamado. Mas a sequência aleatória de fatos da vida podem também realizar vários chamados. E isso é muitas vezes traduzido como se fosse alguma exigência de uma entidade espiritual para legitimar, de forma intangível, sua missão. Uma bobagem que se repete ainda nos dias de hoje. Acredite. Não precisamos transferir nossas responsabilidades e vontades para outrem.


     Outro dia encontrei um antigo colega de escola, enquanto saía da instituição onde completamos o ensino fundamental. Este me pergunta o que eu fazia, eu prontamente respondi que estava ensinando. Eu era professor daquela nossa velha escola. Ele não lembrou de imediato, coisa que eu fiz questão dizer: prometemos um ao outro que seríamos professores. Na época ainda seria de história.  Por alguns anos procurei fazer outras coisas, mas acabei voltando para esta carreira, pois não tenho grandes ambições financeiras e gosto de resolver problemas em conjunto. Nada mais justo. Era isso ou desenvolver para a web, mas não gosto tanto assim de café. Já meu antigo colega é policial militar. Seria alguma espécie de chamado?


     A questão que gostaria de levantar é: somos escravos do chamado, desta vocação? Sinto uma tristeza enorme quando as pessoas deixam transparecer que tiveram um grande conflito contra sua própria vocação mas acabaram cedendo por ser a coisa certa. Como se isso valorizasse o produto.


     Em minha opinião, é uma questão de escolha. Posso ter um dom para o desenho mas com disciplina posso refinar minhas técnicas. Para quem quer escrever é importante ser um bom leitor. É interessante saber como se reproduz para que se evite fazê-lo. Isso é como tratamos um eventual dom, aqueles pontos que estavam sobrando em nossa ficha pessoal. Já uma vocação pode ser sumariamente negada. Dela não somos escravos. E sim de nossas vontades. E isso é uma característica encantadora nos seres humanos: a obstinação de seguir o que quer.


     A vida nos chama o tempo todo. Aceitamos apenas os chamados que mais nos agradam. Lembre quando ouvir o próximo dizer que "tentou fugir" de sua vocação, que este pode estar mentido e realmente estar fugindo daquilo que deveria estar fazendo.


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