1 de dezembro de 2011

Amigo secreto ou "despertadores de dezembro"



     Nunca fui favorável ao ritual de passagem escolar baseado na troca de presentes e confraternização. Talvez por ser frequentemente alvo de chacota com objetos que exaltavam alguma característica indesejável que possuía. Ou talvez por quando não recebia estas estatuetas da repulsa, era presenteado com a ausência do infeliz que havia sido amaldiçoado e precisava encontrar uma forma de não quebrar a corrente nem ofender os indivíduos naquele recinto. Ou despertadores. Eu recebi uns cinco em minha vida acadêmica.


     Como é frequente este evento, percebemos nestes que no mundo há espaços para todos. Inclusive aqueles que não se contentam em não saber fazer graça, contam piadas descontextualizadas. Não há como ser feliz em um lugar destes. É a premiação dos esteriótipos, a exposição das diferenças e degradação da sociedade, mesmo quando não há bebidas alcoólicas envolvidas. Afinal, açúcar mascavo e água são suficientes para casuar dano nos nossos instrumentos de percepção do ridículo.


     É sua última chance de dizer aos colegas o que realmente sente. Grande parte dos que atormentaram o aprendizado ao longo do ano não estarão na próxima série. Agradeça-os por ocuparem espaço de outros que poderiam competir com sua pessoa. Lamente não existir esta competição. Deixe claro o que realmente acha da situação. Afinal, pouca coisa escolar se faz depois deste período, quem passou, passou. Quem não, está só consumindo um pouco mais da paciência de seus professores.


     Sugeri para uma turma, um amigo secreto diferente. Ao invés de haver a possibilidade de receber um despertador, como nas outras vezes, apostei no presente-arte. Como um bom conselheiro que sou, daqueles que ouve e pondera todas as opiniões contrárias, decidi sozinho que era isso ou não haveria festa alguma. Não posso exigir que um grupo tão heterogêneo se deforme ao dinheiro e comprarem objetos de baixa qualidade. Não lembrarão, no próximo ano, da caneta, meia ou despertador. Mas, há chance de serem tocados por uma poesia, desenho ou música criada. Exijo muito?


     Um querido já manifestou que será uma grande produção de lixo. Quando algum objeto carrega um poder emocional, não pode virar lixo pois tornou-se um símbolo. Tanto positivo quanto negativo. E apenas os insensíveis não reconhecerão. Estes apenas produzem resíduos, não criam. Mas estavam lá mesmo antes deste evento. Mas não precisam permanecer assim.


     Apesar de parecer um tanto ousado, afinal o que garante que não desenharão seus colegas da pior forma possível, na mais triste situação? Nada. Gostaria que fossem mais autônomos, que, ao observar todos os dias do ano em que passaram juntos, não se deixem levar por pequenos conflitos deste último dia. Isso é perspectiva. Quando se vê as coisas de um ponto de vista privilegiado, se percebe os padrões do coletivo. Se puder acompanhá-los, saberá o que fazer em todos os momentos. Entenderá que a risada deste infeliz é a lâmina que magoa quem teve o azar de ser obrigado a receber um presente desgraçado.


     E como lidar com as piadas ruins contadas por pessoas que você nem conhecia a voz? Pense um pouco, pode ser a única vez que esta pessoa se sentiu livre o suficiente para apostar em um cavalo perdido, sua piada manjada. O único momento que permitiu-se expor.


     Se forem livres, saberão transferir com sua arte a liberdade que vêem uns nos outros.


     Amigo secreto em escola, indica que o ano está acabando. Toca agora o despertador para dizer-nos: é dezembro. Podia ser pior. O despertador poderia dizer "então... é natal..." e exigir saber o que fizemos. Ou até chorar por cidades que não estão próximas que sofreram em uma guerra criada por infelizes que nem vivo mais estão.


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