4 de dezembro de 2011

Conto: Para Lela


Nascemos na mesma maternidade, no mesmo dia, na mesma hora. Parece início daquelas histórias de amor onde tudo conspira para que um casal permaneça junto. Mas não é bem assim em todos os casos. Lela, escrevo esta carta para sua pessoa, para que saiba que, apesar de todas as adversidades que passamos juntos, nenhuma foi pior do que a nossa distância.


O curioso que, provavelmente você também deve ter notado, é que exatamente o que ocorre comigo, ocorre contigo. Não sei exatamente como passei a perceber sua existência se nunca nos falamos, nunca nos tocamos ou trocamos telefone. Inclusive nossa existência se confunde. Podem dizer que eu sou um cara mais radical, tendendo mais para a esquerda, mas no mundo de hoje não existe mais grande diferença. Pelo menos não em nosso país.


Sim, nossa existência se confunde. Fizemos o mesmo curso na mesma universidade, estivemos nos mesmos seminários e palestras. Assistimos os mesmos filmes nos mesmos cinemas. Não acredito, conforme escrevo menos real parece, mas é. Como se vivêssemos em planos diferentes, mas não. Na verdade, sinto como se dividíssemos o mesmo plano, exatamente ao meio. E isso me deixa infeliz. Saber que fomos feitos não um para o outro. Mas para andarmos em nossos caminhos tortuosos eternamente separados.


Não sei dizer se te amo. Afinal, sois a única que não conheço. Todas as outras eu já vi, conversei, andei um pouco, mas você me intriga, exatamente por ser a que não conheço. E isso mexe com nossa imaginação. Todas as minhas frustrações com os outros, deposito em sua existência a perfeição. Espero que sejas realmente sublime, superior, perfeita... Lela, desculpa se parece que estou sendo um tanto invasivo, mas não consigo entender... Precisamos marcar um encontro, por favor.


Realmente, deve estar se perguntando como sei que existe se estamos exatamente separados, e nunca nos encontramos no passado. Gosto de experimentar coisas, andei descobrindo umas novas técnicas, andei visitando outras cidades, descobri que o mundo não é plano. Até a origem dele é incerta. Apenas prevemos, uma coisa de cientistas, que fica mais pra lá ou mais pra cá. A única coisa certa, é que não nos veremos. Não nesta vida. Mas, pelo que entendi, em uma outra, talvez, poderemos até ser amigos. E poderei encerrar todas as minhas dúvidas.


Se bem, pelo que aprendi, metade das minhas dúvidas posso encerrar perguntando, sinceramente, a mim mesmo. Sim. Somos a mesma pessoa. Apenas afastados um pouco. Mas não para sempre. Inclusive, no "sempre", estaremos de mãos dadas. Aí sim, pelo sempre. Pelo infinito. Não se preocupe, doutor Tales disse que há uma razão nisso. Inclusive naquelas coisas que acontecem comigo e com você, simultaneamente.


Sempre suspeitei da sua existência. Afinal, devem haver pontos que não posso prever em minha vida. Sou um ser vivente, não sou perfeito. Alguma coisa escapou da minha observação. Mas, se tudo isso for verdade, o que acontece contigo, acontece comigo. E reajo da mesma forma. Por dentro e por fora. Apesar de não querer que fique triste por todas aquelas coisas que me deixam triste, não posso fazer nada. Pelo menos, sei que alguém chora comigo. E com você, pode ter certeza, choro junto a cada falha.


Cuide-se, Lela.


Eternamente longe, mas seu


Lelo.


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