30 de novembro de 2011

Herdeiros da terra



     Apesar de não haver uma resposta de todo o grupo, sou responsável da educação matemática de indivíduos bastante heterogêneos e desmotivados. Ou seja, praticamente o perfil de todo o ensino fundamental em todas as escolas que visitei, trabalhei, observei ou ouvi falarem. Estamos em um momento especial, do qual futuras gerações agradecerão ou apagarão de suas memórias. Depende do que faremos para modificar nossa realidade.


     Creio que todos saibam que um polígono, palavra herdada que significa "muitas aberturas" ou "muitos ângulos", é uma figura geométrica que obedece a uma lei: espaço limitado por segmentos de reta. Ou seja, será uma figura com os lados "retos" e sem "furos". A forma com que se trabalha este tipo de conceito pode facilitar a compreensão da geometria euclidiana. Palitos em punhos, a atividade consistia em construir estes entes com o material.


     Ao longo da vida, precisamos lidar com a perda e o ganho. Parte desta perda pode ser amortecida com nossa capacidade de negociar. Creio que se um indivíduo deixa a escola com a capacidade plena de negociar, esta cumpriu sua meta social. Quando se negocia, se pondera valores, considera-se argumentos e tudo culmina em tomadas de opinião. Comprar ou não comprar, ter um filho ou não, casar-se ou apenas esperar um pouco mais são assuntos que podem ser transformados facilmente em um debate, pois geralmente envolvem o ganho ou perda de uma outra pessoa.


     Apenas um palito cada aluno recebeu. Obviamente o primeiro desafio foi descobrir como fazer um polígono de um único lado. Em seguida, os mais adiantados, já se reuniam em trios, já que o polígono com menor número de lados seria um triângulo. Quando propus aumentar o número de lados, naturalmente foram negociando os lados pertencentes aos colegas. Por fim tínhamos duas grandes figuras, mas a exigência agora fazia com que pudesse existir apenas uma. Houve uma guerra. Toda a diplomacia exercida até então precisava ser revista. Conforme a atividade se desenrolou, percebeu-se que apenas os bons negociantes e estrategistas, apesar da atividade simples, ficaram até o fim com suas vontades satisfeitas.


     Percebi que, apesar da luta, todos entristeciam quando percebiam que seu palito acabaria fazendo parte da figura singular, que representaria toda a turma. Como se tomados por uma doença, entregavam-se ao intento do grupo. Toda a força do pequeno corpo do último possuidor de um dos lados do um polígono, fazia força para não entregar seu tesouro. Mas o coletivo vencia. Coletivo controlado por estes agentes caóticos, os diplomatas e estrategistas.


     Estes seres especiais herdarão os reinos da terra.


Discernimento


     Gosto muito de um debate. Só complica quando alguma das partes apenas refaz um argumento e o apresenta como se fosse novo. Por isso é difícil conversar muito tempo com proselitistas. É bom pensar e repensar suas ideias, mas não queira que estas sejam as opiniões de outrem. Sim, pode haver um caso onde um conclua que seu raciocínio não é suficientemente abrangente. Em generalizações, é comum. Como "todas as pessoas são superficiais", ignoro todos aqueles que lutam para que, pelo menos, não sejam reconhecidos desta forma. Mas somos ou não todos superficiais?


Livro fantástico.
     Quando se fala que a história é marcada pela luta de diferentes classes sociais, espera-se que o interlocutor compreenda que esta é uma pequena releitura da ideia de história, segundo Marx. Esta última frase é dita na esperança de quem a ouve (ou lê) conheça um pouco da história humana. Já a história humana é a justificativa maior da existência das escolas. Se egressos destas não conseguem compreender o que foi dito e muito menos consegue expressar uma opinião, não sei exatamente qual função a instituição educacional tem na sociedade.


     Durante uma atividade, alguns alunos precisavam, depois de lerem um poema apenas formado por verbos, construírem seus próprios versos. Poucos foram os que não se utilizaram daqueles já expostos no poema introdutório. Se eu fosse o titular da disciplina de língua portuguesa ou filosofia, estaria um tanto envergonhado. O que produzem em matemática é o suficiente para me dar calafrios. Uma demasiada preocupação com a formação humana os torna desrespeitosos e insuficientes. A científica, os automatiza. Por que não encontramos o meio termo?


     Durante um debate, um outro ente se aproximou e procurou explicar que, assim como a teoria de que o universo era repleto de éter tornou-se insustentável até o descobrimento da matéria escura, a ciência logicamente deveria créditos ao ser de existência questionável (e muitas vezes negada com razão). Não consigo encontrar o caminho que a criatura fez para justificar seu criador.


     Reproduzir conteúdo, respostas automáticas ou justificar todas as incertezas com entidades não tangíveis, não é natural. Procurem se esforçar, meditem um pouco mais na forma em que pensa ao invés do que há de escrito em um livro. Quando estiver pronto, ao ler um livro saberá discernir entre literatura científica e fantástica.


28 de novembro de 2011

Inércia ou "o que te move?"



     Me inscrevi em um concurso. Provavelmente farei muitos ainda. Não tenho uma auto estima razoável o suficiente para dizer que tenho certeza de algo. A única coisa que sei é: não quero fazer aquilo o resto de minha vida, como pensam muitos.


     O profissional chamado concursado é um indivíduo que permanece ligado ao órgão público independente do sistema partidário temporário instalado. Paralelamente ocorre uma aura dourada da estabilidade, como se fosse impossível exonerar um servidor público.


     De tudo isso, o único prazer que teria em ser funcionário público provavelmente seria de orientação política. Afinal, suportar uma série de acordos diplomáticos com energúmenos por vantagens políticas não se faz necessário quando se está afastado deste meio. Ou seja, gostaria de exercer uma profissão distante da política.


     Ouvi hoje de um digníssimo colega de profissão, que nunca deixou de transparecer a opinião sobre seus semelhantes, uma frase que colabora com minha ideia aqui. Da incapacidade da maioria de dedicar-se e mudar. O que vem de encontro com o que já presenciei, da incapacidade de parte da população ter prazer em aprender. Com isso, muitos professores concursados fazem o máximo de graduações para galgarem o topo da faixa salarial.


     Dinheiro não fala. Mas, infelizmente, controla muitos profissionais. Como ouvi outro dia, não precisamos fazer nada totalmente por ideal assim como não fazer totalmente por dinheiro. O problema é que a massa se acomoda ao perceber que já ganha o suficiente. Problema nisso? Sim. Não era para ser essa a única motivação.


     O que me move? A dúvida.


Conto: O último e-mail


     Em um mundo devastado pela guerra, não há muito o que se pode fazer. Não existe mais grandes fontes de energia, pelo que entendi. Afinal, a coisa toda parou por uns dias por causa da falta de energia. Este é o último aparelho existente que funciona. Provavelmente. Digo isso pois ouvi falar que em um lugar distante as coisas ainda tinham uma espécie de reserva de energia. Mas se existe, não é para todos. Talvez ao tal presidente, que tanto falam. Mas em uma situação como a que vivemos, este tipo de coisa não faz sentido. Não há mais o que governar. Fico pensando, se é como diziam, apenas quatro anos de mandato, o deste se encerra em breve. Depois disso, irão expulsá-lo do abrigo? Haverá uma nova eleição?


     Sei que ninguém lerá isso. Afinal este disco rígido não ficará muito tempo funcional, principalmente por não haver mais corrente nas tomadas que sobraram. Encaro isso como uma despedida. Amanhã andaremos até o litoral. Sim, até isso mudou, sabe-se lá como. As coisas mudam, precisamos aprender a lidar com isso.


     Creio que esta será a última carta livre digital em anos. Afinal, todas as outras virão de lá. Esta minha é totalmente neutra. Vista dos olhos do que restou do povo. Não podem roubar isso da gente, a nossa perspectiva. Podem nos roubar, abusar, matar mas nunca nos tirarão nossa opinião. Não defendo um suicídio controlado, precisamos fazer tudo que der para sobreviver. 


     Ainda não são todos que podem ler nossa mente, então é apenas fingir, como antigamente. Que saudade de quando fingir era apenas social. Era um mundo diferente onde a sobrevivência da alma dependia da simulação. Hoje é da carne.


     Um amigo disse que conhecia umas pessoas que talvez tivessem conseguido sobreviver, era em um lugar entre as montanhas, onde plantavam e comiam. Vamos procurá-los ainda hoje. Apesar de ser tarde já, precisamos tomar uma atitude. O mundo não é justo.


     Pensando bem, era para ser?


26 de novembro de 2011

Verdade vos libertará


     Associa-se muito verdade ao conhecimento. O segundo lhe dá mais chances de compreender como o mundo funciona, a condição humana e, até mesmo, a liberdade. O que se espera de uma pessoa que tenha dedicada sua vida aos estudos, ao entendimento da realidade?


     Uma frase encontrada sob várias roupagens, é a que está exposta no título deste texto. Significa nada mais do que a verdade é o meio através somos liberados, mas precisa-se entender o que é essa tal liberdade. Palavras são por definição núcleos de conceitos, alguns mais fortemente debatidos como as duas presentes.


     O que pode ser verdade? O que significa verdade? Existe alguma absoluta e íntegra ou é uma colcha de retalhos baseada nas perspectivas de quem pensa sobre? Podemos perceber que uma verdade próxima da absoluta existe em diversas agremiações humanas, seja de cunho filosófico-religiosa ou política, é conhecida e frequentemente repetida, por muitas vezes compõe hinos ou temas. Poderia ser a verdade, se existe, maleável desta forma?


     Liberdade é um tema polêmico. Afinal pode-se argumentar ter a liberdade de ser idêntico aos outros. Como um "fique igual ou morra tentando". É claro que existe essa possibilidade. Mas, conforme a ciência avança, prova que se existe algo limitado, é a imaginação da maioria. É como não conseguir imaginar que a internet seja acessada por pessoas com deficiência visual.


     Conheci uma pessoa que, por odiar uma determinada disciplina, escreveu um livro denegrindo o esteriótipo dos professores desta. O fato deste indivíduo ser um especialista em educação em geral, não lhe dá um salvo-conduto para tal feito. Pelo contrário. O problema se dá quando não há uma relação boa com os professores, e se transfere a responsabilidade para a disciplina. Ou quando temos professores mal preparados para ensinar-nos as ciências, rigorosas como são.


     Não perdemos tempo buscando um significado pessoal para verdade e liberdade. Perdemos tempo quando não compreendemos o espírito de nosso tempo, quando não nos livramos das mágoas do passado, quando não exercitamos olhar fora da caixa.


25 de novembro de 2011

Da defesa do invisível



     Pareidolia é a capacidade de interpretar determinadas características específicas como expressão facial. Dois pontos acompanhados da letra "d" maiúscula, formam um símbolo facial que demonstra uma felicidade contagiante. E não é doença, ver nos chamados emoticons, rostos. Ou até compreender o que sente uma criatura que apenas existe em seu cérebro.


     O ser humano sobreviveu de tal forma a adaptar-se de todas as formas possíveis. Se há uma grande proeza em ser homo sapiens é a adaptação. Construímos, organizamos, calculamos e prevemos cada uma de nossas necessidades, imediatas ou não. Um dos indícios de que evoluímos, são fragmentos físicos ou mentais que permaneceram, sem utilidade imediata.


     O medo do fogo é praticamente natural. Assim como algumas coisas nos parecem intuição, pode ser apenas uma dessas estruturas que não nos abandonaram. A nossa capacidade quase irracional de reconhecer expressões nas mais difíceis sombras e fumaças são vestígios de que evoluímos. Parte do isso faz por nós é automaticamente determinado pela sociedade. Nossos contratos sociais, assinados na fecundação, exige que não respondamos diferente quando perguntarem se estamos bem.


     Parte das lendas são interpretações de grandes idéias. Divindades gregas e romanas explicam detalhadamente como era o contrato social daquela época. E quando me refiro aos contratos sociais, não são apenas aquelas características coletivas, mas englobam também todo e qualquer comportamento esperado. Se deuses eram seres poderosos com paixões humanas, além dos anseios dos mortais, provavam que as decepções não dependem da capacidade do ser. Até os deuses choravam, sofriam e se alegravam.


     Em um mundo onde uma boa fábula ou parábola seja transformada em uma verdade absoluta, estamos lidando com diversas considerações e interpretações tortuosas, baseadas em parte aos nossos comportamentos quase irracionais e a ideia da ambrosia. Sim, utilizamo-nos da capa pseudocientífica ou religiosa para tornar-nos intocáveis. Se houver uma justificativa mística para tal ato, melhor ainda. Afinal, quem questiona esse tipo de argumento?


     Se algo ocorreu e foi a vontade de uma entidade sobrenatural, por que esta mesma entidade não se manifesta de forma mais humana, a qual toda a fábula é sustentada, na igualdade entre entes superiores e inferiores? Não é mais simples que a natureza seja sábia o suficiente para manter a capacidade energética entre dois meios, céu e terra, equilibrada por meio de um relâmpago? Ou que em sua inconsciência, mantenha placas resfriadas mas fragmentadas? A Navalha de Occam coça, e me faz questionar tudo isso, até que se possa observar indícios nos dois cenários.


     Parece que a entidade superior não vem se defender.


24 de novembro de 2011

A navalha de Occam



     A navalha de Occam é uma das maravilhas filosóficas da Idade Média.


     Tira-se tudo quanto pode, enquanto mantemos a essência.


     Quando qualquer situação pode ser explicada por várias formas, a mais simples deve ser a mais acertada.


     Percebe-se que não sou adepto ao método. Mas posso tentar.

23 de novembro de 2011

Sou Dumbledore


     Me visto de forma alternativa, tenho um gosto duvidoso para tudo, dou aula de uma coisa que as pessoas tendem a ter grande dificuldade, minha opinião geralmente é ouvida, me questionam sobre suas práticas, tenho uma certa atração ao poder e por saber disso, me controlo o máximo. Já me disseram que seria um bom diretor, que tenho futuro promissor, mas algumas coisas, das mais importantes do que tudo que se pode ter na vida, já me foram tirados. Ou seja, nunca me identifiquei tanto com um personagem de facto quanto com o digníssimo professor e diretor da escola de magia da série de livros de J.K. Rowling.

Você aí! Me traga um café.

22 de novembro de 2011

Da expressão facial



     Fui ao médico hoje e tive algumas notícias ruins e uma boa. A boa é que minha capacidade de expressar o que sinto através da flexão muscular do meu rosto. Durante uma das explicações da minha nova prática alimentar, a nutricionista curvou-se, como se aliviasse a tensão, fez uma careta de dúvida e disse:


     - Você não está motivado, não é?


     Ela disse isso duas vezes. Mesmo eu explicando minha posição em relação ao caso. Como eu havia dito, não estava motivado nem desmotivado. Estava neutro. Aliás, estou neutro. Sempre fui assim neste assunto. Apesar de tudo, relembrei minha capacidade facial de não transparecer ideia alguma. Neste caso, a profissional da saúde interpretou como se eu fosse um de seus costumeiros clientes. Um obeso com aversão aos desígnios nutricionais.


     Não tenho problema algum com reeducação alimentar. Pelo contrário, sou muito favorável. O que me impediu a vida toda de fazê-lo é a minha incapacidade de manter alguma rotina por muito tempo. E meu relógio biológico está desregulado faz tempo.


     Não a culpo por ter sido tão descrente em minha atitude caótica/neutra. Afinal, se é o comum, nem todos aqueles que iniciam o processo chegam a um ponto saudável. Quando as dores encerram, encerra-se a batalha contra as causas.


     Mas preciso fazer isso hoje. Gostaria de ter uns anos a mais para me estressar com meu android. Quer dizer...


21 de novembro de 2011

Eu escolho a liberdade.


     Como sabem, minha preferência por um vestuário alternativo faz com que meu gosto estético seja bastante questionado. Sempre gostei de roupas que beiram o utilitarismo. Estar bem vestido, ao meu ver, é estar confortável. Ainda fundo uma religião onde o sacerdote precisa vestir-se de forma alternativa. Se bem que existem várias, mas nem em todas tenho o acesso aos cofres. Se fosse minha, o cofre seria meu.


     Não tenho aquele problema, comum aos seguidores de religiões monetárias, com o dinheiro da instituição. Não encerrei este capítulo de minha vida por causa de dinheiro. Quer dizer, não só por causa disso. Não consigo permanecer em um lugar onde o dinheiro fala mais alto. Ou seja, não pertenço a este mundo. Assim como significa possibilidades abstratas, não quer dizer que ao pagar por uma aula particular, somos donos do professor. Não mesmo. Assim como se suportamos alguma instituição de caridade, não significa que somos donos desta. Cada um tem seus próprios demônios e respondem aos seus próprios desígnios morais. Não tenho fé em justiça, principalmente se esta vier depois da vida. Se isso é verdadeiro, naturalmente se torna injusta.


     Como sempre fui uma pessoa que procurava os motivos pelos quais as coisas acontecem, e exagerado, acabei por descobrir como muita coisa acontece. Grande parte do que se diz responsabilidade de algum espírito é, na realidade, um bom esquema de informações bastante humano. Tenho conceitos estereotipados de cada pessoa quando revelam sua orientação religiosa, mesmo que adormecidas. Dificilmente erro. Mas reconheço quando alguma pessoa manifesta uma ponta de sinceridade. Não desmereço religião alguma, desde que dê o conforto que a pessoa procura. O que detesto, como já disse, é o proselitismo. Isso é doentio.


     Tornei-me uma espécie de questionador de tradições. Nisso não há instituição que gostaria de me manter, afinal toda instituição prova seu valor na tradição. Hoje quase ninguém faz algo realmente sincero. Por não haver um produto novo no mercado, todos se baseiam no que já foram. No que fizeram no passado. Matemática é uma ciência cruel em relação a isso. É praticamente a religião da lógica. É isso, sou crente na lógica. Apesar disso fazer muito pouco sentido.


     Minha mãe nunca determinou o que eu deveria ser quando crescer. Creio que fui traumatizado ao contrário a fazer qualquer coisa. Ela sempre disse isso, que eu faria qualquer coisa que quisesse. O problema era saber o que queria. Até hoje não acertei, mas também não tenho pressa. A história religiosa de minha mãe é daquelas de escritores de best-sellers de livros com esta temática. Não, realmente é melhor. Outro dia ela, inocentemente, perguntou se eu não gostaria de me tornar padre. Sinceramente? Seria ótimo. Quer desculpa melhor para sair com roupas espalhafatosas e ainda mais ser respeitadíssimo/temido por todos? Bem que eu queria.


     Desculpe. Mas eu não acredito. Apesar de um pouco de descrença seja fundamental para um clérigo (sim, eu sei do que estou falando), não tenho, pelo menos ainda, aquela sede por controle. Prefiro a liberdade. E isso, só através da educação. E tem como libertar a todos?


20 de novembro de 2011

Conto: Fraquejando perante a Singularidade.



     Era uma tarde chuvosa, como tantas outras. Provavelmente nem chovia realmente, mas pela cor do céu, era uma possibilidade bem real. Mas pensar que estava chovendo era em parte reconfortante. Afinal alguma coisa natural precisava acontecer para lembrar-nos de como era antigamente. Natural... Que palavra interessante. Uma pequena volta no subúrbio de qualquer cidade, encontramos algo perto do natural. Hoje a dificuldade está em acreditar se algo não foi artificialmente tornado irregular. Depois de toda aquela febre de beleza, onde todos eram belos, altos e idênticos, voltamos ao período verdadeiramente renascentista, onde a assimetria voltou a ser a moda. As pessoas não percebem que a moda, que era tão criticada no passado, é feita pelo povo. Engenheiros da moda apenas lançam sementes que o povo mata para germinar. Grande parte da população, como outrora, prefere ficar sem comer do que fora da moda. Dentro de um trem em alta velocidade não se tem certeza se realmente chove. Um passageiro chega ao destino.


     - O seu nome é Rufus, não?
     - É sim. Preciso ir, deixe-me...
     - Posso tirar uma foto?
     - Olha, garota, você já tirou que eu vi. Não se preocupe. Inclusive, minha imagem está por toda a rede. Se quer fazer mais uma piada, não me incomoda... mais.


     Aquele homem, com uma aparência cansada e uma década mais velha do que a garota, desce pela lateral do trem e se põe a andar por um corredor da estação que desemboca em um salão subterrâneo. Ali precisava lembrar qual departamento precisava visitar. Em um mundo onde tudo se tornava piada imediata, onde não havia mais privacidade, Rufus até estranha a menina. Afinal, não existe mais direito de imagem. Não se é mais dono nem do rosto que carrega. Isso não faz sentido em um mundo onde todos se parecem. Provavelmente queria apenas conversar. Afinal ninguém mais faz isso hoje em dia. Ao relembrar o caminho, este jovem senhor, vestido com um longo sobretudo com a clássica fenda nas costas, toma o rumo algumas vezes calculado. O chapéu havia deixado no seu cubículo. Apenas o capote já causara choque suficiente na sociedade. Todos hoje se vestem como se não houvessem roupas no passado. Todos estão praticamente nus, com seus olhos e cabelos coloridos. Um tom bege chama a atenção em um oceano de vermelho e verde limão.


     - Senhor Rufus, temos uma notícia ruim e uma notícia boa para lhe dar - disse o atendente no fim do salão.


     Rufus sabia que era o inevitável. Finalmente era o único humano que mantinha a doença. Os outros três que, inclusive, conhecera no passado, deveriam ter morrido ou pior: fraquejaram.


     - Conte a ruim primeiro - Rufus era um pessimista. Aprendeu a ser depois de se ver só.
     - Como provavelmente deduziu, principalmente depois de nosso último encontro, o governo decidiu não mais produzir seu remédio. Alegam que se o senhor não abraçar a Singularidade, não é digno de permanecer recebendo medicação. A notícia boa é que este governo cobrirá os gastos com o processo...
     - Mas fraquejar a esse ponto não significa automaticamente que não precisarei mais de medicação? - procurou encontrar um erro de lógica para sustentar um argumento que infelizmente não surtiu efeito.
     - Não entendo o senhor. Fraquejar. Considera-nos fracos? Tens algum motivo para não querer tornar-se um dos nossos? Qual o problema de viver neste mundo maravilhoso? Não há doenças, não há tristeza... O senhor deve estar louco, e se está, até é razoável a atitude do governo.
     - Não sou um de vocês? Não somos da mesma raça? Dá-me o remédio e eu desapareço.
     - Esta será sua última dose. Quanto tempo faz desde a ultima?
     - Uns dez anos.
     - Não, exatamente oito anos, sete meses e vinte e dois dias. A anterior havia durado mais. Mesmo que fosse fornecido a medicação, em algumas décadas precisaria dela diariamente. Até que um dia não seria o suficiente.
     - Podemos pular a explicação? Eu sei muito bem que estou piorando. Dá-me logo e eu desapareço. - Rufus sabia muito bem quantos dias havia durado a última dose.


     O atendente fez alguns gestos sobre a mesa, como se pudesse se comunicar com ela, com um olhar de desaprovação entregou uma pequena caixa ao seu interlocutor. Quando este se virou e saiu, lembrou que este diálogo fora idêntico ao anterior que tiveram. Então sabia que poderia esperar o, como chamavam, velho, voltar em menos de nove anos da próxima vez. Inclusive havia montado uma espécie de aposta, onde todos os funcionários da instituição procuravam acertar exatamente em quanto tempo aquele desgraçado voltaria. Desta vez um homem acertou em cheio e, pela quantidade de créditos apostados, poderia comprar uma garrafa de destilado. Sim, era muito dinheiro envolvido nesta brincadeira com a vida do outro.


     Rufus sabia que aquela droga o deixaria inútil durante pelo menos cinco dias, como da última vez. Então precisaria chegar em seu cubículo antes de medicar-se. No retorno, algumas fotos, cabelos e olhos coloridos depois, considerou a possibilidade de encerrar com tudo aquilo. Se os outros três haviam desistido, ele não seria forte o suficiente. Seu único pesar foi não ter consumado seu amor. E, independente da escolha, não teria um filho com sua amada. A morte ou a singularidade torna a pessoa estéril. E sua amada estava em algum lugar, longe de suas vistas. Nem sabia se ainda estava viva. Parte de uma piada viva era de que provavelmente seria o último humano a morrer. A outra é de que acreditava no amor. Esta seria, definitivamente, sua última chance de encontrá-la.


19 de novembro de 2011

Um dia bom de herança.


     Estou ficando surdo de um ouvido. Pode ser qualquer coisa. Meus anos de House e ER, me garantem que não é lúpus. De resto, pode ser qualquer coisa. Interessante é pensar que pode ter um fundo psicológico neste caso. Assim como posso ser facilmente confundido e levado a acreditar que sofro de inflamação dos seios paranasais, chamada de sinusite, quando estou em um período delicado de reflexão sobre existência e motivação. Sim, todos devemos parar um momento e repensar se estamos fazendo o que gostaríamos e, mais importante, se não, procurar para que daqui a dez anos a frustração não se repita.


     Uma das coisas mais interessantes sobre minha pessoa é que quando mais de uma pessoa está falando comigo, não consigo entender nenhuma. Se for considerar o fato de que dou aula de matemática para o ensino fundamental, onde todos são absolutamente dependentes e reclamões. A segunda característica os acompanhará pela vida toda. Quando encerro a explicação de determinado exercício, recebo uma enxurrada de solicitações de visita aos lugares que habitam, filas se formam perante o quadro e todos falam simultaneamente comigo. Neste momento não entendo nem meus pensamentos.


     Meu pai tem olhos azuis belíssimos. A pele dele é sensível, qualquer fricção já gera um hematoma e cortes. Como a natureza é sábia, dotou-me das características mais úteis: herdei a pele. Meu irmão eventualmente pode ser pego falando que é muito azarado por não ter herdado as safiras nos olhos. Ainda se eu tivesse não ficado com uma pele sensível e que ardesse frequentemente, talvez precisasse de alguma outra forma de manifestar meu humor. Quando estou em um destes momentos tensos, como organizações das quais não posso fugir de fazer, minha pele do rosto se solta. Me sinto feito de areia. Meu rosto fica repleto de fendas facilmente escondidas pelos hidratantes, os quais fui proibido de usar pois prejudica minha proteção contra o sol. Obrigado, pai.


     Quando a temperatura sobe um pouco, meu rosto se desmancha. Se desce, ele se desmancha. Havia uma palavra em um comercial, a qual acho o som estranho, que descreve bem o caso: "craquelar". Eu "craquelo" quando qualquer coisa acontece. Isso significa que meu rosto fica tomado por flocos de neve principalmente quando não estou em um bom dia. Ou em um "dia-bão", como dizia um amigo.


     Meu sistema nervoso anda um pouco descontrolado. Nem sinto tanta pressão assim. Preciso de um corpo novo. E, sim, apesar disso soar um tanto quanto estranho, fui comparado a um dos vilões do manga Naruto, por ser uma serpente que eventualmente troca de pele. Só que no quadrinho, a troca de pele refere-se ao corpo todo. Uma espécie de terror em desenho.


     Isso tudo reforça minha ideia de morar em algum lugar onde o outono seja frequente. Afinal, calor não me agrada e as quatro estações bem definidas no sul também não torna meu dia bom. Mas, se eu não tiver sorte, vou ouvir apenas metade das reclamações que ultimamente recebo. Isso é bom, não?


18 de novembro de 2011

Um transtorno obsessivo coletivo.


     Como não tenho posses, preciso recorrer ao Sistema Único de Saúde sempre que preciso de atendimento médico. Não reclamo do SUS pois sempre fui muito bem atendido. O que me impressiona e é uma prática comum do povo que utiliza o serviço. Uma característica em comum aos bancos, correios e outras instituições de acesso público. As filas.


     Comportamento de manada é como chamamos aquele curioso movimento de animais em conjunto. É muito bonito ver aquele conjunto de zebras correndo ao menor sinal de ameaça. É um mar branco e preto. Parte de nossa infância foi triste por causa dos efeitos de um movimento destes. Um fragmento do conhecimento humano tem como objeto de estudo o comportamento coletivo dos seres. Inclusive o nosso comportamento coletivo.


     Enquanto eu crescia, era necessário ir ao posto de saúde as cinco da manhã para garantir a consulta. Lembro que torci o pulso e a espera na fila resolveu o problema. As filas eram inevitáveis. E enormes. Principalmente quando se está com dor.


      Durante um período não era preciso acordar as cinco da manhã e enfrentar uma fila no frio para garantir atendimento médico. Era apenas apresentar-se no posto de saúde durante o período da manhã que era devidamente marcada uma consulta. O posto abre as oito horas. As pessoas iam para lá as cinco da manhã, passavam frio e faziam fila.


     Todas as formas existentes de organização de espaços para evitar formação de filas são burladas. Somos obcecados por filas. Gostamos dessa sensação de poder em estar na frente de outrem. E admirar quem chegou minutos mais cedo. Admirável mundo novo.


     Filas, acordar cedo para chegar primeiro, passar frio sem necessidade. Sofrimento coletivo. Obviamente o atendimento voltou ao método anterior, por ordem de chegada. O que me obrigou hoje a  praticamente não dormir. Boa noite, transtornados.