31 de outubro de 2011

Zeitgeist ou "o dia que descobri pokemon"


     Em um dia chuvoso deixei de ir para a escola. Apesar de morar próximo da instituição, a chuva era um pretexto para não ir colégio. Hoje trabalho com algumas das pessoas que menos me inspiraram a me tornar professor. Como ouvi em uma palestra, a notícia boa é que alguns destes irão morrer. Não acredito que ninguém possa deixar de ser medíocre mas há casos em que as pessoas fazem força para permanecerem neste nível. Como era um dia propício para não ir, permaneci em minha residência. Minha mãe iria ao centro da cidade e, contrariando seu próprio comportamento desde então, perguntou se não gostaria que ela comprasse algo para eu ler. O que veio desta solicitação, mudou minha vida.


Culpada.
     Diferente da mãe de um aluno meu, minha progenitora preferia que eu ficasse em casa do que atrapalhasse a aula. Ela é daquelas pessoas que tiveram pouca instrução mas valorizaram tudo que aprenderam durante a vida. Ela não se tornou gerente de uma grande estatal gaúcha por achar que não era boa suficiente. Um acompanhante da obesidade, e de outras características dela, é a falta de uma visão real da própria pessoa. Uma espécie de auto-estima alternativa. Não existe obeso que não sofra disso. Obesidade, provavelmente, é um dos sintomas dessa característica.


     Eu estava sonolento quando ela voltou. Despertei imediatamente no momento em que ela entregou-me um pacote com uma revista grande dentro. Ao rasgar o pacote, descobri que se tratava de um novo jogo, para nós brasileiros de baixíssima renda. Era Pokemon. Era um "detonado", ou seja, o jogo de cabo a rabo. Li e reli aquela revista incontável vezes. Imaginava o quão divertido devia ser o tal jogo de coleção nipônico. Foi onde descobri que havia um desenho e que estava recém começando a passar na televisão aberta brasileira. Isso foi antes da internet. Na verdade, a internet é realmente recente para mim. E foi o meu primeiro anime, como são chamados estes desenhos animados japoneses.


My generation.
     Acabei comprando um Game Boy em uma viagem que fiz ao centro da terra aos Estados Unidos. Afinal, ainda é difícil comprar tecnologia estrangeira. Nunca fui tão feliz. Sabia tudo que precisava fazer no jogo de cor. Daí nasceram dois problemas. O primeiro é que o jogo é mezzo social, ou seja, há uma parte do jogo que envolve combates e trocas com outros jogadores, e eu era o único em um raio de 65 quilômetros. O segundo era que meu personagem preferido não era nativo ao jogo. Exigia tal troca. Nunca fui tão infeliz. Até que aprendi a "hackear" o jogo. Através disso, talvez, nasceu minha paixão pela matemática. Fiz todos os horrores que se pode imaginar, mas meu objetivo de jogo sempre foi ter aquele personagem.


São hardocore
esses akatsuki.
     Quando eu era aluno desta escola, assistia desenhos, conversava com meus colegas e brincava muito com estas temáticas. Meus professores eram, em sua maioria, uns alienados em relação ao mundo novo que se apresentava. Enquanto na terra do sol nascente, quadrinhos e animes eram coisa séria, aqui por muito tempo foi coisa de criança. Hoje discuto moral e comportamento usando Naruto. Apesar de não gostar muito do personagem principal, acho o contexto bem simpático, vulgarmente falando. E é uma linguagem comum entre duas gerações. Eu estou sozinho aqui, isso é verdade, mas o futuro que nos aguarde.



     Você que está lendo isso é um privilegiado(a). Ainda há muita gente excluída desse espírito de colaboratividade e imaginação no qual nascemos. Mas, mesmo assim, a tendência é que, com o aumento da população, os empregos se tornem mais concorridos, e um fator de desempate será conexão ao tão chamado zeitgeist. E não é o documentário. A próxima geração será beneficiada pelo nosso comportamento hoje. Essas idéias de compartilhar, de trabalhar em conjunto, de defender nossas terras de ataques alienígenas podem ser facilmente traduzidas em virtudes, se bem direcionadas.


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